Fevereiro chegou com um calor escaldante, chuvas fortes e trouxe consigo uma epidemia devastadora. Dengue, Zika e Chikungunya assolam a cidade, e os serviços de saúde pública, já sobrecarregados, enfrentam um desafio ainda maior. No meio desse caos, Dona Lourdes, 83 anos, diabética e com dificuldades auditivas, mãe, avó nunca ficou com dores torna-se mais uma vítima invisível do mosquito e do sistema.
A febre e as dores nas articulações a imobilizam. A família, sem opções, aciona o SAMU, orgulho do SUS, que a estabiliza, mas não pode fazer muito mais. O próximo passo é a Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro. Chegando lá, deparam-se com um aviso na porta: "Médico de férias, sem substituto". O caos administrativo é evidente.
O tempo passa, o Carnaval termina, e finalmente conseguem um encaixe para Dona Lourdes ser atendida. A médica, sobrecarregada, pede exames e recomenda retornar com os resultados. Dona Lurdes aposentada consegue fazer os exames de sangue no “Particular” pois pelo SUS tudo demora. Parece um alívio, mas a verdadeira batalha apenas começa.
Com os exames em mãos, a família volta à UBS. No entanto, a agenda está lotada. "Não temos vaga pelos próximos quatro meses", informa a recepcionista, sem levantar os olhos do monitor. O dilema se instaura: insistir, buscar encaixes diários, ou aceitar a espera absurda sem reclamar, pois, tem que tomar cuidado pois se reclamar muito nem encaixe consegue só daqui 4 meses.
A UBS, sem gerente para resolver a situação, torna-se um labirinto burocrático. O telefone da unidade não funciona, e a única solução é comparecer todos os dias, na esperança de uma desistência ou de uma falta para o famoso encaixe onde o usuário implora por atendimento. "Volta amanhã pra ver se consegue" vira um mantra cruel. O amanhã vira depois de amanhã, e assim se esvai a esperança de Dona Lourdes.
A atenção básica é a porta de entrada do SUS, mas para muitos se transforma em uma muralha. A gestão pública muda, as promessas são recicladas, mas a rotina de quem depende do sistema continua a mesma. Enquanto isso, a população vulnerável sofre, refém de uma saúde pública que deveria acolher, mas frequentemente afasta.
A história de Dona Lourdes é a história de milhares de brasileiros. E a pergunta que fica é: até quando?
Luiz Fernando Rogério é especialista em Sistemas e Serviços de Saúde.