Com os avanços tecnológicos e a consolidação da realidade virtual como parte integrante da vida contemporânea, surgem desafios inéditos para o enfrentamento da criminalidade. A internet, idealizada como um espaço de inovação e conhecimento, também se tornou palco para práticas ilícitas que desafiam sistemas jurídicos em escala global. No Brasil, os reflexos dessa nova realidade podem ser observados tanto em crimes simples, como fraudes eletrônicas, quanto em ações mais complexas, como ataques cibernéticos coordenados por organizações criminosas. Diante desse cenário, o Estado brasileiro enfrenta a tarefa urgente de modernizar sua legislação e seus mecanismos de investigação para lidar com crimes que frequentemente ultrapassam fronteiras territoriais e legislativas.
O ciberespaço, descrito como "o lugar entre os lugares", tornou-se um ambiente propício para práticas ilícitas que vão desde o tráfico de informações pessoais até atividades complexas, como lavagem de dinheiro e ataques terroristas. As tecnologias digitais, que oferecem inúmeras oportunidades de desenvolvimento, também criam brechas exploradas por criminosos para garantir anonimato e dificultar sua localização. Ferramentas como a deep web e a dark web, que abrigam vastos volumes de informações e operações clandestinas, potencializam as dificuldades para a repressão e regulamentação dessas atividades. Tais circunstâncias tornam indispensável a cooperação internacional e a integração de esforços entre governos e instituições privadas.
O Brasil, ciente desses desafios, deu importantes passos na regulamentação do combate ao cibercrime. A incorporação da Convenção de Budapeste ao ordenamento jurídico, por meio do Decreto Presidencial nº 11.491/2023, demonstra o compromisso do país em alinhar-se às normas globais para o enfrentamento desses crimes.
Essa convenção é um marco na responsabilização de pessoas físicas e jurídicas envolvidas em práticas criminosas no ambiente virtual, promovendo a colaboração entre Estados para aumentar a eficácia das investigações. Além disso, o Código Penal foi recentemente reformado para incluir novos tipos penais, como o furto qualificado por fraude eletrônica e o estelionato eletrônico, que buscam acompanhar as transformações tecnológicas.
Entretanto, apesar dos avanços legislativos, persistem lacunas que dificultam uma resposta mais eficiente ao cibercrime. A aplicação das novas leis enfrenta desafios práticos, como a dificuldade de rastreamento de crimes cometidos em plataformas privadas de comunicação, como WhatsApp e Telegram, ou a delimitação da responsabilidade das redes sociais na moderação de conteúdos ilícitos. Além disso, as investigações são frequentemente prejudicadas pela falta de recursos técnicos e pela velocidade com que criminosos desenvolvem novas estratégias e ferramentas.
O cibercrime, que inicialmente era associado a ações de hackers isolados, evoluiu para práticas organizadas conduzidas por grupos sofisticados. Essas organizações utilizam tecnologias avançadas para coordenar ataques e explorar vulnerabilidades em sistemas financeiros e de segurança, muitas vezes com fins políticos, econômicos ou ideológicos. A facilidade de comunicação e a descentralização características do ciberespaço permitem que esses grupos operem de forma ágil e fluida, dificultando ainda mais a aplicação das leis tradicionais, que geralmente seguem uma estrutura hierárquica e territorial.
Embora os avanços tecnológicos tenham trazido benefícios imensuráveis para a sociedade, também criaram um terreno fértil para a criminalidade digital. Os criminosos têm se aproveitado da dependência crescente de sistemas em rede para cometer fraudes, roubar dados sensíveis e promover atividades ilícitas, muitas vezes sem serem detectados. Por outro lado, as autoridades têm se esforçado para responder a essas ameaças, implementando medidas preventivas e criando unidades especializadas em crimes cibernéticos. Contudo, ainda é necessária uma maior integração entre governos, o setor privado e organizações internacionais para alcançar uma abordagem mais eficaz.
O Supremo Tribunal Federal tem mostrado preocupação crescente com a responsabilidade das plataformas digitais em relação ao controle de conteúdos ilícitos, como discursos de ódio e pornografia infantil. Discussões recentes apontam para a necessidade de tratar essas empresas como mistas, combinando aspectos de tecnologia, comunicação e publicidade, dada a arrecadação milionária que obtêm com a monetização de conteúdos. Tais medidas buscam não apenas regular o uso dessas plataformas, mas também responsabilizá-las por permitir a disseminação de materiais prejudiciais à sociedade.
A realidade virtual, apesar de suas potencialidades positivas, desafia profundamente os sistemas jurídicos. É necessário equilibrar a proteção dos direitos fundamentais com o combate eficaz ao crime cibernético, evitando exageros que comprometam a liberdade individual. Para que isso seja possível, é essencial que o Brasil invista em educação, tecnologia e cooperação internacional, buscando fortalecer sua capacidade de enfrentamento aos desafios trazidos pela criminalidade digital. Apesar de todos os esforços realizados até agora, o caminho ainda é longo, e o aprimoramento contínuo será indispensável para acompanhar a evolução constante desse cenário.
Yann Dieggo é advogado e professor universitário.